A consagração da Teoria Unificada da Matemática
A consagração da Teoria Unificada da Matemática
Será que os números primos têm alguma conexão mais profunda entre si? Será que diferentes campos da matemática podem estar conectados? O matemático canadense Robert Langlands passou a vida propondo respostas para estas perguntas. Por isso, ele acabou de vencer o Prêmio Abel de 2018, um dos prêmios de maior prestígio da matemática. Ele descobriu conexões surpreendentes e abrangentes entre a álgebra, a teoria dos números e a análise.
O matemático desenvolveu algo chamado programa Langlands, em 1967 – também conhecido como a “grande teoria unificada da matemática”. O programa é uma espécie de Pedra de Rosetta da matemática, permitindo aos pesquisadores traduzir problemas entre diferentes campos da matemática. Dessa forma, um problema que parece insolúvel em um destes “idiomas” pode se tornar mais acessível no outro.
Nas últimas décadas, outros pesquisadores passaram a expandir enormemente o escopo do programa. Pelo menos três matemáticos venceram prêmios Fields Medals por confirmarem pequenas partes do esquema. Com o tempo, os pesquisadores perceberam que alguns problemas antigos de matemática eram, na verdade, casos especiais do programa. Um deles, chamado de conjecturas de Weil, foi resolvido pelo matemático belga Pierre Deligne, que recebeu o Prêmio Abel 2013 por esse trabalho.
Outro problema foi solucionado na década de 1990 pelo teórico britânico de números Andrew Wiles e co-autor: esse trabalho os levou a resolver o último teorema de Fermat, ganhando o Prêmio Abel de Wiles em 2016. “É quase como se você fosse um arqueólogo e desenterrasse uma pedra no deserto – e ela acabasse sendo o topo de uma pirâmide”, compara o físico matemático Robbert Dijkgraaf, que dirige o Instituto para Estudos Avançados (IAS) da Universidade Princeton, nos EUA, onde Langlands trabalha até hoje, aos 81 anos de idade.
“É revolucionário, eu acho, no que diz respeito à história da matemática”, complementa James Arthur, matemático da Universidade de Toronto e ex-aluno de Langlands.
Padrões nos primos
Os matemáticos sempre estiveram interessados em encontrar padrões nos números primos, aqueles números especiais que são divisíveis apenas por um e por eles mesmos. Os primos são como os elementos atômicos da teoria dos números, as peças fundamentais a partir das quais o estudo da aritmética é construído, mas eles parecem estar espalhados aleatoriamente entre todos os números. Para encontrar padrões entre eles, como a frequência com que ocorrem, é necessário relacioná-los a outra coisa. Vistos corretamente, os primos agem como uma cifra de música, que se transforma em uma bela canção quando lida através da tecla certa.
“Eles parecem acidentais, mas especialmente através do programa Langlands, está se mostrando que eles têm uma estrutura extremamente complexa que os relaciona com todo tipo de outras coisas”, aponta Arthur.
Uma questão sobre a estrutura dos primos é quais deles podem ser expressos como uma soma de dois números quadrados. Por exemplo, o 5 é um número primo que pode ser o resultado da soma entre 2² e 1², assim como o 13, que é um primo que pode ser a soma entre 3² e2².
No século 17, os teóricos dos números descobriram que todos os primos que podem ser expressos como uma soma de dois quadrados compartilham outra propriedade: eles deixam um resto de 1 quando são divididos por 4. Este trabalho foi o começo de uma tentativa de encontrar uma estrutura oculta nos primos. No final do século 18, Carl Friedrich Gauss generalizou esse elo surpreendente, formulando uma lei de “reciprocidade” que ligava certos primos (aqueles que são uma soma de dois quadrados) a uma característica identificadora (quando divididos por 4, deixam um resto de 1).
Em uma carta enviada ao famoso matemático André Weil na década de 60, na qual Langlands articulava seus pensamentos a respeito do assunto, Langlands propôs uma vasta extensão da lei de reciprocidade que Gauss havia descoberto. O trabalho de Gauss era aplicado a equações quadráticas – aquelas com expoentes não superiores ao número 2. Langlands sugeriu que os números primos codificados em equações de grau superior (como equações cúbicas e quárticas) deveriam estar em uma relação de reciprocidade com a matemática da análise harmônica, que se desenvolve a partir dos cálculos e é frequentemente usada para resolver problemas da física.
Calculando comprimentos de onda
Por exemplo, os cientistas do século 19 ficaram surpresos ao descobrir que, quando olhavam para a luz das estrelas através de um prisma, não encontravam um espectro contínuo de cores. Em vez disso, o espectro era interrompido por linhas pretas, agora chamadas espectros de absorção, onde a luz estava faltando. Os cientistas perceberam que a luz que faltava havia sido absorvida pelos elementos das estrelas. Essa descoberta forneceu evidências sólidas de que as estrelas e nosso planeta são feitos do mesmo material.
Estas linhas espectrais tornaram-se objetos de interesse matemático. Os comprimentos de onda ausentes resultaram em uma sequência de números – as frequências da luz ausente. Os matemáticos poderiam estudar esses números através da análise, ou mesmo trabalhar em tipos totalmente novos de equações – talvez inspiradas por questões da física, mas resultantes apenas da análise e da geometria. Com base nessas novas equações, eles poderiam estudar uma noção paralela dos espectros de absorção.
O programa Langlands relaciona os números primos de equações polinomiais aos espectros das equações diferenciais estudadas em análise e geometria. Ele afirma que deveria haver uma relação de reciprocidade entre estes campos. Como resultado, devemos ser capazes de caracterizar quais números primos aparecem em configurações específicas, entendendo quais números aparecem nos espectros correspondentes.
Os dois conjuntos de números não podem ser comparados diretamente, no entanto. Cada um deles deve ser traduzido através de diferentes tipos de objetos matemáticos. Em particular, as representações de Galois, que são baseadas em primos, devem emparelhar com objetos chamados formas automórficas, que contêm os espectros relevantes.
Hoje, os matemáticos que trabalham no programa Langlands estão tentando provar esse relacionamento e muitas outras conjecturas relacionadas. Ao mesmo tempo, eles usam conexões do tipo Langlands para resolver problemas que, de outra forma, parecem fora de alcance. O resultado mais famoso nesse sentido é a prova de Andrew Wiles, em 1995, do último teorema de Fermat. A prova de Wiles dependia em parte exatamente do tipo de relação entre teoria dos números e análise que Langlands havia previsto décadas antes.
“Foi um grande prazer para mim, mas também uma grande surpresa”, escreveu Langlands em 2007, quando Wiles incorporou parte de seu trabalho em sua prova. O campo que floresceu a partir do programa de Langlands tornou-se tão amplo que Langlands afirma não entender completamente todo o trabalho que se passa nele e, em particular, algumas das implicações que a versão geométrica pode ter na física. Seu colega de IAS, Edward Witten, um físico teórico e vencedor da Medalha Fields de 1990, que investigou essas conexões nos anos 2000, disse: “Eu pessoalmente só entendo um pouquinho do programa de Langlands”.
O programa Langlands expandiu-se consideravelmente ao longo dos anos. No entanto, quando toda a maquinaria complexa que foi criada para realizar a visão de Langlands é posta de lado, é possível ver que estes estudos são motivados por algumas das preocupações matemáticas mais básicas. “Compreender as propriedades pelas quais os primos ocorrem em uma equação basicamente equivale a uma classificação fundamental do mundo aritmético”, define Arthur. [Scientific American, Quanta Magazine]
Comentários
Postar um comentário
O sábio basta a si mesmo