Brasileiros criam cristais magnéticos

Brasileiros criam cristais magnéticos

Redação do Site Inovação Tecnológica - 16/03/2020

Brasileiros criam cristais com grande potencial de aplicações
Estes são cristais naturais de espinélio. O material desenvolvido pelos pesquisadores é essencialmente um pó, formado por nanocristais.
[Imagem: Wikipedia]

Espinélios

Espinélios são belas pedras semipreciosas, muito bonitas depois de serem lapidadas, devido à configuração espacial das suas moléculas.

Quimicamente, esses minerais são óxidos com fórmulas químicas do tipo AB2O4, em que A é um cátion (íon positivo) metálico bivalente; B é um cátion metálico trivalente; e O, o oxigênio.

Mas, além da bela aparência, espinélios nos quais o cátion trivalente B é constituído pelo elemento químico cromo (ou crômio, símbolo Cr) têm despertado grande interesse porque apresentam propriedades magnéticas com grande potencial de aplicação tecnológica - de sensores de gases a carreadores de medicamentos dentro do corpo, de mídias para armazenamento de dados a componentes de sistemas de telecomunicações.

Pesquisadores brasileiros e indianos estudaram agora um tipo peculiar de espinélio: o cromito de manganês dopado com zinco, descrito pela fórmula Mn0,5Zn0,5Cr2O4, na qual o manganês (Mn) e o zinco (Zn) compõem o cátion bivalente A.

A análise revelou que óxido de manganês e crômio dopado com zinco apresenta uma transição de fase magnética quando resfriado à temperatura de 19 kelvin (-254,15 Celsius), passando de paramagnético a antiferromagnético.

Paramagnético e antiferromagnético

Materiais paramagnéticos são aqueles afetados por um campo magnético externo. Isso ocorre porque seus átomos ou moléculas apresentam um elétron com spin desemparelhado. Por sua vez, um ímã, isto é, um material magnético propriamente dito, possui vários elétrons desemparelhados e organizados. É o efeito cumulativo desses elétrons que produz a atração magnética.

Já nos materiais antimagnéticos ou antiferromagnéticos, os spins de todos os elétrons apresentam-se emparelhados: para cada elétron com spin para cima, existe um correspondente elétron com spin para baixo. Por isso, eles não respondem de forma perceptível à presença de campos magnéticos externos moderados.

A transição apresentada pelo material estudado tem grande potencial de uso. Por exemplo, recentemente pesquisadores chineses exploraram uma transição paramagnético-antiferromagnético para criar os primeiros ímãs líquidos permanentes. O mesmo ocorre na levitação magnética de objetos e no desenvolvimento de novos catalisadores.

Ao adquirir a propriedade antiferromagnética, materiais têm sido usados na superveloz magnônica, em hardwares neuromórficos, em memórias magnéticas acionadas por luz e até no curioso piezomagnetismo, apenas para citar algumas possibilidades.

As análises feitas pela equipe brasileira poderão ser usadas para embasar aplicações como estas, uma vez que indicam que o material seria útil para aplicações tanto de baixa quanto de alta frequência. E vale lembrar que membros do mesmo grupo da UFSCar estão trabalhando com os espinélios para produzir um material totalmente invisível.

Brasileiros criam cristais com grande potencial de aplicações
Estrutura do espinélio dopado com cromo.
[Imagem: Renan Ribeiro]

Aplicações biotecnológicas

A equipe sintetizou nanopartículas do material em laboratório e, usando diversas técnicas de análise - difração de raios X, difração de nêutrons, espectroscopia de raios X e espectroscopia Raman - descreveu as propriedades estruturais, eletrônicas, vibracionais e magnéticas dos nanocristais com a ajuda de um método derivado da mecânica quântica para resolver estruturas cristalinas complexas, chamado Teoria do Funcional de Densidade.

"Os estudos convencionais consideram as propriedades magnéticas de forma genérica, a partir do sistema como um todo. Mas nós desenvolvemos um método quântico que permite determinar as propriedades magnéticas a partir das morfologias das superfícies da estrutura cristalina dos materiais. Desse modo, antes mesmo de sintetizar um material, conseguimos prever teoricamente suas propriedades magnéticas. Neste caso específico, sabíamos que o zinco promoveria o aumento da superfície com propriedades magnéticas - o que de fato ocorreu," contou o professor Elson Longo, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Em termos de aplicações práticas, o maior interesse da equipe está em materiais com propriedades bactericidas e fungicidas, novos medicamentos e reciclagem.

"Uma das aplicações seria a produção de embalagens para a melhor conservação de alimentos. Outra frente é identificar materiais anticancerígenos inorgânicos. Uma terceira linha de pesquisa é encontrar materiais fotodegradadores, isto é, capazes de degradar moléculas orgânicas, transformando-as em gás carbônico e água. Esses materiais poderiam ser utilizados para purificar os rios contaminados por poluentes," afirmou Elson.

Estudo dos cristais

Conforme explica o professor Elson, para ser bem compreendido um cristal deve ser considerado em três escalas diferentes.

"Na longa distância, temos o cristal inteiro. Na curta distância, temos o menor cluster de átomos possível. Na média distância, temos a interação entre dois ou mais clusters. Se o cluster estiver perfeitamente ordenado, ele não apresentará comportamento paramagnético e muito menos magnético. Porque, para cada elétron com spin para cima, haverá, em contrapartida, um elétron com spin para baixo. Mas, se for feita alguma alteração - por exemplo, se forem modificados os ângulos das ligações químicas -, podem surgir elétrons desemparelhados. E o material se tornará paramagnético ou até mesmo magnético," disse.

Essas modificações também podem ocorrer devido a interações de média distância. Portanto, o magnetismo tem a possibilidade de ser produzido tanto devido a alterações na curta ou na média distância. Então, o mesmo material pode apresentar propriedades diferentes, dependendo da variação de certos parâmetros. E isso tem a ver com a maneira como o material é sintetizado.

Bibliografia:

Artigo: Structural, electronic, vibrational and magnetic properties of Zn2+ substituted MnCr2O4 nanoparticles
Autores: K. Manjunatha, V. Jagadeesha Angadi, Renan A. P. Ribeiro, Elson Longo, Marisa C. Oliveira, Mauricio R. D. Bomio, Sergio R. de Lázaro, Shidaling Matteppanavar, S. Rayaprol, P. D. Babu, Mahaboob Pasha
Revista: Journal of Magnetism and Magnetic Materials
Vol.: 502, 166595
DOI: 10.1016/j.jmmm.2020.166595

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