Eletrônica
Brasileiros explicam funcionamento de transístor quântico
Com informações da Agência Fapesp - 30/11/2017
O nanotransístor funciona com uma corrente elétrica constituída pela passagem de um único elétron por vez. [Imagem: Luis G. G. V. Dias da Silva et al. - 10.1103/PhysRevLett.119.116801]
Nanotransistores
Transistores capazes de funcionar com uma corrente elétrica constituída pela passagem de um único elétron por vez estão no horizonte das pesquisas em curso na área de informática. Como passa um elétron de cada vez, o "zero" e o "um" binários são associados ao trânsito ou não do elétron.
Isso permite reduzir drasticamente o uso do espaço, acelerando a miniaturização, e o consumo de energia dos computadores.
Em 2015, uma equipe do Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH) apresentou um nanocircuito totalmente funcional baseado nesse princípio da passagem de elétrons individuais.
O problema é que a equipe não conseguiu esclarecer todo o mecanismo de funcionamento do nanotransístor - a coisa funcionava, mas eles não entendiam exatamente como.
Esse problema teórico agora foi resolvido por um grupo de pesquisadores da USP, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal de Uberlândia e Universidade de Ohio (EUA).
A figura mostra a fonte (source), o dreno (drain), o ponto quântico (dot) e a cavidade (cavity). Os elétrons podem transitar diretamente da fonte para o dreno, através do ponto quântico. Ou ir para a cavidade primeiro, sofrer reflexão e descrever uma trajetória complexa, antes de alcançar o dreno. [Imagem: Luis G. G. V. Dias da Silva et al. - 10.1103/PhysRevLett.119.116801]
Transístor quântico
"Devido à escala muito pequena, a transmissão de elétrons de uma parte para outra [do nanotransístor] sofre efeitos quânticos. Isso significa, entre outras coisas, que os elétrons em trânsito apresentam tanto propriedades características de partículas quanto propriedades características de ondas," explica o professor Luis Gregório da Silva.
Circuitos com apenas um ponto quântico - região bem pequena, da ordem de algumas dezenas de nanômetros, em que os elétrons ficam confinados - têm sido estudados desde os anos 1990. Mas, neste novo componente, além do ponto quântico foi acoplada também uma cavidade, uma região um pouco maior, com uma borda curva que funciona como um anteparo, uma espécie de espelho. Os elétrons saem do ponto quântico e são rebatidos pela superfície curva da cavidade, sendo temporariamente aprisionados.
Ocorre que, quando a cavidade está fracamente acoplada ao ponto quântico, há um pico no valor da condutância cada vez que passa um elétron. Quando a cavidade fica fortemente acoplada, os picos transformam-se em vales.
"A transição de picos para vales não estava sendo compreendida pelos pesquisadores na Suíça e foi esse o problema que nos propusemos a estudar e conseguimos resolver. Nossos cálculos teóricos para os dois regimes - acoplamento fraco e acoplamento forte - mostraram um comportamento qualitativo que corresponde exatamente àquele observado no experimento. Assim, oferecemos uma explicação bastante natural para o que o experimento detectou.
"Devido à natureza quântica da energia, os níveis energéticos acessíveis aos elétrons não são contínuos, mas discretos. Com a variação do potencial eletrostático, é possível alinhar esses níveis com a energia do elétron que tenta atravessar o ponto quântico. Quando ocorre o alinhamento, é como se fosse aberta uma porta na parede repulsiva, constituída pelas cargas negativas, e o elétron tem grande probabilidade de passar," detalhou Luis.
É essa passagem do elétron que gera o pico na condutância. Depois da passagem, o valor da condutância volta a cair por efeito da barreira eletrostática, o chamado Bloqueio de Coulomb, em referência ao físico francês Charles Augustin de Coulomb (1736-1806), pioneiro no estudo da eletrostática.
"Como a energia é quantizada, a variação do potencial possibilita obter outros alinhamentos e abrir outras portas. Assim, o gráfico da variação da condutância em função da variação de potencial apresenta uma sucessão de picos separados por vales. Cada pico corresponde ao tunelamento de um elétron através da barreira," disse Dias da Silva.
A introdução da cavidade aumenta muito o número de possibilidades de transição da fonte para o dreno do nanotransístor. [Imagem: Luis G. G. V. Dias da Silva et al. - 10.1103/PhysRevLett.119.116801]
Piscina de elétrons
A situação se complica quando é incluída a cavidade porque, além da abertura das portas, ocorre também o efeito de interferência, decorrente do comportamento ondulatório do elétron. Guardadas as devidas proporções, o fenômeno é semelhante ao que ocorre quando ondas mecânicas se propagam na superfície de uma piscina, onde a interferência entre as ondas que vão e as ondas que vêm gera efeitos de adição ou subtração - as ondas se reforçam ou se anulam.
"A onda do elétron rebatido pela superfície da cavidade interfere com a onda do elétron proveniente do ponto quântico rumo ao dreno. A interferência pode ser construtiva ou destrutiva. É a interferência destrutiva que produz os vales," disse o pesquisador.
"A introdução da cavidade aumenta muito o número de possibilidades de transição da fonte para o dreno. O que fizemos foi uma extensão ou generalização da fórmula de Meir-Wingreen [fórmula para o cálculo da condutância elétrica em sistemas quânticos], de modo a contemplar a maior complexidade do fenômeno. Ao fazer essa generalização conseguimos explicar teoricamente os resultados experimentais obtidos pelo grupo da Suíça," detalhou Dias da Silva.
Aplicações práticas
É importante destacar que, embora o funcionamento do transístor seja todo fundamentado nos princípios da mecânica quântica, não se trata de computação quântica, mas de tirar proveito de efeitos quânticos no contexto de circuitos clássicos.
O inconveniente é que todo o circuito funciona a temperaturas muito baixas, inferiores a 4 Kelvin, o que exige uma refrigeração com hélio líquido, o que é um obstáculo para o uso comercial desses nanotransistores.
Mas isso não impede que ele se insira nas áreas de fronteira da pesquisa industrial, com um horizonte de aplicação prática.
"Os circuitos clássicos, com várias aplicações tecnológicas nos dispositivos de uso cotidiano, são bastante complicados. Mas as leis que permitem calcular a corrente em cada parte do circuito são bem conhecidas e fáceis de aplicar. No caso dos circuitos em que a mecânica quântica domina, ainda há muito que investigar para saber como as correntes se comportam. Existe o viés de aplicação na eletrônica, mas também existe muita física básica a ser aprendida," destacou Luis Gregório.
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Bibliografia:
Conductance and Kondo Interference beyond Proportional Coupling
Luis Gregório G. V. Dias da Silva, Caio H. Lewenkopf, Edson Vernek, Gerson Ferreira Júnior, Sergio E. Ulloa (Ohio University).
Physical Review Letters
Vol.: 119, 116801
DOI: 10.1103/PhysRevLett.119.116801
O nanotransístor funciona com uma corrente elétrica constituída pela passagem de um único elétron por vez. [Imagem: Luis G. G. V. Dias da Silva et al. - 10.1103/PhysRevLett.119.116801]
A figura mostra a fonte (source), o dreno (drain), o ponto quântico (dot) e a cavidade (cavity). Os elétrons podem transitar diretamente da fonte para o dreno, através do ponto quântico. Ou ir para a cavidade primeiro, sofrer reflexão e descrever uma trajetória complexa, antes de alcançar o dreno. [Imagem: Luis G. G. V. Dias da Silva et al. - 10.1103/PhysRevLett.119.116801]
A introdução da cavidade aumenta muito o número de possibilidades de transição da fonte para o dreno do nanotransístor. [Imagem: Luis G. G. V. Dias da Silva et al. - 10.1103/PhysRevLett.119.116801]
Conductance and Kondo Interference beyond Proportional Coupling
Luis Gregório G. V. Dias da Silva, Caio H. Lewenkopf, Edson Vernek, Gerson Ferreira Júnior, Sergio E. Ulloa (Ohio University).
Physical Review Letters
Vol.: 119, 116801
DOI: 10.1103/PhysRevLett.119.116801
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