O sonho de consumo de 2031 é o Kamakiri, um carro bem espaçoso, pilotado por uma combinação de controles robóticos com dirigibilidade por GPS. Nunca houve um acidente com um Kamakiri — um projeto do Escritório Fagen, com base na ilha de Bali.
O Kamakiri é o símbolo da vitória das energias limpas. Ele é movido a água, e a mesma água que movimenta o motor pode ser consumida seguindo padrões idênticos de fontes naturais da Noruega, Groenlândia e Alasca. O Kamakiri é tão ecologicamente correto que alguns modelos vêm com uma microfazenda de vegetais hidropônicos no compartimento traseiro. Os muito ricos acham o máximo comer saladinhas cultivadas nos seus carros.
Kamakiris são estupidamente caros. Veículos particulares de qualquer tipo custam uma fortuna! E não existe custo que faça os brasileiros mudarem esse velho hábito. Em 2031, as ruas de São Paulo continuam entupidas. Motoristas continuam perdendo boa parte de suas vidas em imensos congestionamentos. A poluição diminuiu porque a maior parte dos veículos é movida a eletricidade. Mas ainda temos playboys barbarizando as ruas com seus motores a gasolina.
A boa notícia é que os transportes urbanos estão cada vez melhores. E poderosos. Hoje, os trens urbanos, os VLTUs, os metrôs, os para-metrôs, os rodocomboios, os SARTREs estão em todos os lugares. Opções não faltam. Você sai de casa monitorado, passando de um meio de transporte para outro até seu destino.
Com o Omni (o supercelular/computador preso ao meu pulso esquerdo), não existe mais o ato de pagar. Você embarca no metrô e os sensores lançam a conta no seu Omni. Depois vou conferir se aconteceu algum erro na cobrança. Quer privacidade? Ainda existe papel-moeda. Mas andar com notas na carteira virou sinônimo de “esse cara tem alguma coisa a esconder”. As pequenas cobranças do dia a dia (sim, em 2031 ainda existe padaria) acontecem sem que a gente nem perceba.
Escritório por minuto
Chego à Margandala Sumaré. As margandalas são o fruto do colapso do sistema tradicional de trabalho. O getulismo finalmente desabou e cedeu lugar à realidade econômica do século 21. Os contratos convencionais de trabalho foram cedendo à nova organização econômica da sociedade, cada vez mais independente do Estado. De certa forma, vivemos uma era de escambo high-tech. Trocamos trabalhos e riquezas de modos tão variados que a burocracia estatal não consegue nos acompanhar. Oficialmente, o país vai muito mal. Extra-oficialmente, estamos nos virando muito bem. Somos quase todos autônomos, vendendo nosso trabalho em troca de créditos no Omni.
Margandalas são grandes complexos de consumo/diversão/trabalho/comunicações/serviços. Nos seus centros estão os serviços, o comércio e as praças de alimentação, mais ou menos como os shoppings de 2011.
Ao redor desses “corações” estão as células de trabalho. São modulares, e algumas dessas “workcells” podem ser grandes salas de escritório, outras podem ser cabines individuais. Você aluga uma célula por ano, por mês, por dia ou por minuto. Lá dentro você tem tudo o que precisa para trabalhar. Aliás, a forma como trabalhamos também mudou muito. Mas esse é assunto para a próxima edição.
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O sábio basta a si mesmo