Contagem regressiva


Entrevistas

Contagem regressiva

Revista Téchne | 03/03/2011

Presidente regional do Sinaenco faz as previsões sobre a Copa e Olimpíada 
no Brasil e diz o que já não será mais possível construir até os jogos em vista dos atrasos
Engenheiro civil e advogado, José Roberto Bernasconi é diretor presidente 
da Maubertec Engenharia e Projetos, atuando em diversos setores da infraestrutura. Foi professor da Poli-USP entre 1970 e 1975, no Departamento de Estruturas e Fundações, das Disciplinas Construções de Concreto e Pontes
 e Grandes Estruturas. Participou de diversas entidades de classe, como CBIC, Fiesp, Upadi e Instituto de l Engenharia, que presidiu nas gestões 1985-1987 
e 1987-1989. Foi presidente nacional do Sinaenco (Sindicato da Arquitetura 
e da Engenharia) entre 2006 e 2009, e, atualmente, preside sua regional de 
São Paulo, além de ser diretor do Deconcic (Departamento da Indústria da Construção), no âmbito da Fiesp.
Em dezembro de 2010, recebeu o título de Eminente Engenheiro do Ano pelo Instituto de Engenharia.
Que o Brasil precisa voltar a planejar e projetar, todo mundo concorda. Algumas medidas para fortalecer essa prática já aparece no horizonte, sendo a principal o projeto de modificação da lei de licitações (na 8.666) para que obras públicas sejam contratadas por projeto executivo, ainda em discussão. A Apeop (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas) e a CGU (Controladoria Geral da União) engrossam o discurso de que o
ideal é haver projeto executivo. Esta última fala especificamente sobre obras de estádios, visando a Copa do Mundo. Mas, apesar do discurso em uníssono de todo o setor, na prática
 a construção dos equipamentos esportivos está atrasada em quase todas as cidades, e, para José Roberto Bernasconi, este primeiro trimestre de 2011 será crucial para a decisão pela continuidade de construção de todos os estádios aprovados pela Fifa para os jogos de 2014 ou por apenas oito ou nove equipamentos. Para o engenheiro, não há problema em investimento público para estádios, pois eles podem representar um vetor de crescimento urbano do entorno. Ele acredita que a região de Itaquera, por exemplo, bairro da zona
Leste paulistana cotado para abrigar o estádio do Corinthians, teria muito a se beneficiar
por sua localização estratégica entre o porto de Santos (SP) e o aeroporto de Guarulhos, na região metropolitana, além do acesso pelo RodoaneI. Um exemplo a se seguir é o projeto de Londres para a sua (também) zona Leste, que receberá o Parque Olímpico e uma grande revitalização. Nesta entrevista, Bernasconi relata diversas ações que a cidade britânica vem adotando desde que foi anunciada como sede dos Jogos Olímpicos de 2012, e mostra falhas no padrão brasileiro, cujo histórico aponta para estouro de verba, de orçamento e
retrabalho. Para ele, a solução, como sempre, é planejar.
Já estamos muito próximos da Copa. A essa altura do "campeonato", vai ser possível evitar os costumeiros aditivos nas obras públicas?Temos o histórico das obras para o Pan-Americano do Rio de Janeiro de 2007, inicialmente estimadas em R$ 380 milhões, que custaram mais de R$ 3 bilhões.
A única maneira de se evitar, se não completamente mas reduzir muito a chance de
estouros de orçamento ou de prazo, é fazer projeto de engenharia. Planejar é pensar antes. Quem pensa antes executa melhor, seja uma pequena reforma doméstica, seja obras em geral, particularmente as intervenções urbanas, de infraestrutura, e a preparação para eventos tão importantes como Copa do Mundo e Olimpíada. São os maiores eventos midiáticos do planeta. Segundo dados oficiais da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional, a Copa do Mundo da Alemanha (2006) teve uma audiência de cerca de 27 bilhões de espectadores, e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Pequim (2008), aproximadamente
30 bilhões. É o maior negócio do planeta na área de entretenimento. Esses eventos colocam
 o país-sede na vitrine do mundo inteiro. O problema é que o país pode se mostrar mal.
Como o projeto evita aditivos de custos e de prazos?
É o que Londres está fazendo, dando um verdadeiro exemplo com a reformulação da sua zona Leste, para a Olimpíada de 2012. É um caso extraordinário. A cidade foi escolhida
em julho de 2005, com sete anos de antecedência, como nós. No dia seguinte à escolha, Londres criou um comitê organizador local, o Logop (London 2012 Organising Committee
of the Olympic Games and Paralympic Games) e a ODA (Olimpic Delivery Authority), encarregada de construir o Parque Olímpico. Durante um ano e meio, de julho de 2005 até abril de 2007, foi feito o planejamento do plano diretor da área, que é constantemente revisado, e aproximação com a comunidade. De abril de 2007 até julho ou agosto de 2008 foram feitas: escavação na área contaminada e toda a remediação ambiental; demolição de escombros, que eram até da 2ª Guerra Mundial, sendo 90% do material demolido usado
na própria área; e projetos dos principais equipamentos, como o Velódromo, Estádio Olímpico, Parque Aquático, entrada monumental, pontes etc. No verão de 2008, e só nesse momento, começaram as obras. O Velódromo, por exemplo, ficará pronto no verão de
2011, com um ano de antecedência, e receberá eventos de testes. Isso é coisa de gente grande.
Para algumas coisas, não há mais tempo. A Copa do Mundo correu solta, sem coordenação.
Nesse momento, com vistas a 2014 e 2016, é possível reverter a situação de atraso?
Para algumas coisas, não há mais tempo. A Copa do Mundo correu solta, sem coordenação.
O Governo Federal já declarou que os estádios estão por conta dos Estados, e que o apoio
de infraestrutura virá pelo PAC da Copa (ou PAC da Mobilidade). Mas os aeroportos são de responsabilidade do Governo Federal e até agora nada foi feito. E o problema dos
aeroportos não é para a Copa do Mundo, é para hoje. A demanda cresceu mais de 20% e a oferta dos serviços não acompanhou.
Os aeroportos vêm sendo apontados como o maior gargalo para a realização da Copa do Mundo, o senhor é da mesma opinião?
Os aeroportos são o gargalo mais pesado, mais engasgado, mais entupido. Já passou o
tempo para fazer o que poderíamos, já não há mais tempo para grandes mudanças. Nós vamos fazer soluções meia-boca, um puxadinho para criar alguns módulos.
Mas essas soluções vão funcionar?
Vão, mas precariamente. Um terminal aeroportuário é intermodal: de um lado, aviões chegam e saem; na outra ponta, há ônibus, carros e talvez trens e metrôs. O aeroporto,
além das pistas de voo, precisa de pistas-pátio para estacionamento de aeronaves,
terminais de passageiros que possam, com conforto e segurança, prestar os serviços,
check-in, terminal de embarque, espaço e equipamento para polícia federal e aduana, estacionamento de ônibus, de táxi e de carros particulares, gente treinada e controle de tráfego aéreo. Nós não temos nada disso. Não adianta só fazer o "puxadinho". O aeroporto
 é um complexo, e os nossos aeroportos estão muito ruins e subdimensionados.
A privatização dos aeroportos seria uma boa saída?
É a única saída. Há barreiras ideológicas e corporativas difíceis de serem superadas e que não foram enfrentadas. Criou-se um mito de que o Estado pode ser o responsável por tudo. O Estado é fundamental, mas ele é um instrumento estabelecido para operar um país em nome da população. Ele tem que ser eficiente, e não tem sido. Ao mesmo tempo, criou-se o mito de que a iniciativa privada é só predadora, extrativista. Não é nem uma coisa, nem outra. O Estado deve limitar a natureza de suas atividades, como diplomacia, justiça, segurança nacional e defesa da soberania. As demais podem ser feitas com melhor eficiência por agentes privados, regulamentados pelo Estado.
Que casos são mais adequados para uma concessão e uma parceria público-privada?
Depende do resultado. Um aeroporto como o de Guarulhos, que tem um movimento extraordinário, é caso típico de concessão ou privatização. Respeito a opinião de que o controle do espaço aéreo implica soberania e segurança nacional e deve ficar nas mãos da Aeronáutica. Então, a prestação do serviço pode ser feita ou por concessão ou parceria público-privada. Os aeroportos de Brasília, Guarulhos e Congonhas (São Paulo), Galeão e Santos Dumont (Rio de Janeiro) têm movimento suficiente para gerar renda a uma concessão. Talvez os aeroportos de Cuiabá e Goiânia não tenham um volume tão grande
que permita uma remuneração adequada, então pode-se estabelecer uma PPP. Porém, não pode permanecer estatal, porque a situação atual é a conseqüência de as coisas não terem sido feitas.
É possível que o trem de alta velocidade, o TAV, saia em tempo para esses eventos?
Para a Copa do Mundo não, mas para a Olimpíada há um pouco mais de tempo. A Serra das Araras, no Rio de Janeiro, é o trecho mais custoso e com menor demanda, não há problema se não ficar pronto. O trecho mais importante situa-se entre Campinas, São Paulo e
São José dos Campos, que tem maior viabilidade e maior demanda. Se o Governo Federal implantar o TAV nessa região, contaremos com um equipamento de alto rendimento que serve de interesses de ligação entre polos da macrometrópole de São Paulo e essas duas cidades. Faltariam Santos e Sorocaba.
Há uma grande demanda de trens em São Paulo...
Segundo o secretário de transportes metropolitanos do Estado de São Paulo, Jurandir Fernandes, uma das prioridades deste governo será os trens regionais: São Paulo-Santos; São Paulo-Sorocaba; e, se o TAV não sair, São Paulo-Campinas e São Paulo - São José dos Campos. Serão trens que alcançam 180 km/h. Posteriormente, ainda será necessária uma prolongação, além da macrometrópole. O ideal é que voltasse a Sorocabana, a Noroeste, Santos-Jundiaí, Central do Brasil. O transporte ferroviário ficou para trás no Brasil.
E, além de transportar cargas, os trens são vantajosos também para o transporte de pessoas.
Sim, muitos carros particulares e ônibus fretados seriam tirados das estradas. A grande vantagem do transporte ferroviário é que ele chega até o Centro da cidade. São necessárias grandes obras para enterrar as estações, como fez Barcelona, Turim. O trem vem pela superfície e, já na periferia, mergulha e deixa de causar aquela separação na cidade, e a cidade fica integrada.
Não adianta só fazer o puxadinho. O aeroporto é um complexo, e os nossos aeroportos estão muito ruins e subdimensionados.
Há perigo de algum estádio não concluir as obras a tempo da Copa de 2014?
Há perigo de não começar. Não devemos esperar além deste primeiro trimestre para
definir quais vão continuar ou não. Em vez de 12 cidades, talvez tenhamos apenas oito cidades, o número mínimo, por serem oito grupos.
E essa redução está efetivamente sendo discutida?
Está, só não está na mídia. De todas as cidades, Salvador está com ritmo um pouco melhor, com a concessão definida e financiamento do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento); o Mineirão (Belo Horizonte) está aparentemente bem; os outros estão muito devagar.
Para a Copa das Confederações em maio de 2013, precisamos de, no mínimo, quatro estádios. Isso é possível, mas a hora da verdade é agora, tanto para os estádios estatais
como privados. Segundo a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a cidade de São Paulo vai sediar a abertura, mas ainda não há estádio. Ainda há tempo, pois estamos a 40 meses
da Copa do Mundo, e um projeto de estádio pode ser feito em 32, 30 meses.
Em São Paulo há a expectativa da construção do estádio em Itaquera. Além 
do estádio, também são necessárias muitas obras de infraestrutura para mobilidade urbana. E o estádio ainda pode ser um vetor de crescimento para toda essa região da cidade. Como o senhor vê isso?
A semelhança a Londres, que está reformulando sua zona Leste, traz a oportunidade de aproveitarmos toda a motivação que o futebol provoca nos brasileiros para uma alavancagem de mobilização. A zona Leste abriga a maior parte da população de São Paulo, são 4 milhões de habitantes, ou mais de 40% da população da cidade, em 22% do território. Ela situa-se entre o aeroporto de Guarulhos, o de São Paulo, e o porto de Santos, o
hub port da América do Sul, além da rodovia dos Imigrantes e o Rodoanel Leste,
interligado ao Sul e Oeste. Então, há um eixo aeroporto-porto que pode ser muito bem aproveitado e, portanto, essa região Leste pode ser o local de implantação para muitas indústrias, muitos polos de produção.
Como o transporte alavancaria o crescimento industrial da região Leste?
O problema da região Leste é ser considerada uma cidade-dormitório, com poucas oportunidades de emprego. É preciso mais emprego para diminuir o movimento de transporte. Há uma porção de municípios na região, além da proximidade com o porto de Santos e o aeroporto de Guarulhos. Pode-se importar por avião insumos como chips,
instalar uma montadora de equipamentos eletrônicos, que não é poluente, e reexportar os produtos, como é feito na Ásia. Pode vir matéria-prima de Santos, como material químico para farmacêutica e cosmética, e produzir em indústrias ali instaladas para consumo nacional e reexportação. Pode ser feito também um polo de moda em Itaquera, que gera muitos empregos. Com uma boa solução de informática, podem ser construídos terminais alfandegários, pois o porto de Santos está congestionado. Contêineres seriam ali
estacionados e alfandegados como na Europa: lá, o produto é entregue na Bélgica para ser consumido em Paris. Certas coisas um porto pode fazer fora do cais, a certa distância, como industrialização de bens ou desagregação de produtos, como alimentos.
E, para tudo isso acontecer, é necessária essa mobilidade.
Antes da mobilidade, é preciso um plano sobre o que será feito com essa área. O estádio de Itaquera pode ser um gatilho para a reinvenção da zona Leste, mas isso não é projeto para a Copa, e sim para daqui a 20 anos. Não só a região de Itaquera, mas todo o entorno do município de São Paulo pode se transformar em um grande polo de desenvolvimento.
Voltando a falar sobre a escolha do estádio em São Paulo, o senhor acredita que o São Paulo Futebol Clube não encaminhou corretamente o pleito de sediar a abertura da Copa?
Creio que foram várias razões. Não consigo fazer a análise completa, mas um fato é verdadeiro: havia uma disputa pessoal não resolvida, ou resolvida da pior maneira, entre o Ricardo Teixeira, presidente da CBF, e o Juvenal Juvêncio, presidente do São Paulo. Não
 sei se só em nome disso, mas também em nome disso, não havia nenhuma boa vontade
[em relação ao estádio do Morumbi]. Além disso, São Paulo é a cidade preparada para receber o jogo de abertura, não pelo estádio, mas pela infraestrutura. Não há cidade no
Brasil que tenha a mesma capacidade hoteleira que São Paulo, a mesma experiência para receber grandes eventos, apoio logístico, treinamento de pessoal.
E as verbas para a construção dos estádios?
Até março, o Governo Federal deve ser chamado a colaborar com os Estados donos de estádios, para garantir que eles fiquem prontos a tempo. É melhor que essa decisão seja tomada logo, para que os recursos possam ser alocados e seja possível construir de maneira planejada, organizada, com projetos de engenharia para controle de custos e de qualidade.
Se deixar para a véspera, que é o segundo semestre de 2012, pode haver uma repetição

dos Jogos Pan-Americanos (2001). Não sou contra aplicação de recursos públicos nos estádios, pois, assim como para a zona Leste, pode ser um gatilho para uma grande renovação urbana.
O estádio de Itaquera pode ser um gatilho para reinvenção da zona Leste, 
mas isso não é projeto para a Copa, e sim para daqui a 20 anos.
É mais fácil o desenvolvimento em uma região metropolitana que em lugares mais remotos? Como um estádio pode se tornar esse gatilho de crescimento em outras regiões?
Cada um tem sua problemática local, que precisa ser equacionada. Nos Jogos Pan-Americanos, a maior crítica recaiu sobre o Engenhão, um belíssimo estádio implantado em um lugar deteriorado. Não foi feita melhoria, seja de acesso, segurança ou serviços de água, esgoto, telecomunicações e energia que permitiriam uma melhor utilização. Cada cidade tem seus problemas. Recife está fazendo uma cidade nova junto ao novo estádio, um novo centro comercial e de negócios, centro residencial, além do caminho de acesso, transporte e todos
os sistemas. Tudo isso gerará um bairro novo, uma área de expansão da cidade. Benefícios podem ser feitos em qualquer lugar. Os requisitos necessários são: macroacessibilidade (aeroportos, portos, rodoviárias etc.) e mobilidade urbana (metrô, VLT, VLP, BRT, transporte público).
E se esses requisitos não forem resolvidos?
Se não for feito a tempo, declaram-se férias escolares. Tira-se o trânsito das ruas, as vias ficam menos congestionadas. Em junho, serão declaradas férias escolares nas cidades-sede da Copa, e isso será decidido em 2013. E, em dias de jogo, será declarado feriado. A África
do Sul fez isso. Porém, não é uma solução eficiente, senão uma remediação.
Um grande legado dos Mundiais da Fifa e dos Jogos Olímpicos é o incremento do turismo. O que precisa ser feito para melhorar esse setor?
Seguramente é um grande legado. Além de toda a infraestrutura, para o turismo receptivo
é necessária a preparação de pessoas, que falem outro idioma.
Há muitas mudanças a serem realizadas. Como fazer o assunto tomar sua devida importância?
As lideranças, de alguma forma, têm de compreender qual é o problema que têm em mãos
 e buscar adesão. Uma parte é a adesão da sociedade, mas isso não está sendo feito, e o próprio Governo Lula não deu a devida importância à Copa do Mundo, confiando em medidas como decretar férias escolares, feriados etc. Mas com Olimpíada a situação é
outra. O brasileiro está muito atrás em relação à segurança, que é o item mais complexo e mais difícil para Olimpíada. Em Londres, desde o primeiro momento, por preocupações contra atentados, o acesso ao Parque Olímpico tem cerca eletrônica e o controle é muito rigoroso. Segundo a empresa de engenharia especialista na área de segurança, o cuidado começa no projeto de arquitetura, evitando pontos cegos, cujo monitoramento é difícil. Na construção, é possível que um terrorista componha a equipe de obra e esconda uma bomba em um oco de pilar, a ser acionada em um dia de jogo, ou seja, o recrutamento tem que ser feito com muito cuidado, com toda a vigilância possível. As questões não são somente técnicas, de prazo, custo e qualidade, mas também todo um sistema de segurança. O Brasil está acostumado a fazer no improviso. O Rio de Janeiro firmou convênio com o governo inglês e conta com consultoria da equipe de Londres. Talvez, com esses consultores, consigamos fazer algumas coisas.
O senhor acredita que, a exemplo de outras ocasiões, poderá se abrandar ou fazer vistas grossas às questões ambientais para se agilizar as obras?
Sustentabilidade se refere a bons critérios de decisão, que começam no planejamento e seguem para o projeto. Segundo Dan Epstein, responsável sobre sustentabilidade na ODA (Olimpic Delivery Authority), há três condições para construir corretamente e com critérios de sustentabilidade: planejar, planejar e planejar. Ou seja, sustentabilidade é um complexo, que pode ser feito com um bom projeto, mas fica comprometido quanto mais é feito no atropelo, com horas extras, prazo estourado. Para a Olimpíada, ainda há tempo. Para a Copa do Mundo, já estamos no atropelo, embora todos os estádios tenham o conceito de sustentabilidade. Espero que as condições de projeto sejam respeitadas durante a execução.
O SindusCon-SP e outras entidades parecem ter se convencido da importância das plataformas colaborativas de projeto em 3D, como o BIM, que permite projetar, quantificar e fiscalizar ao mesmo tempo. O senhor acha importante qualificar os escritórios para utilização dessa ferramenta?
É uma tendência irreversível, porém, mesmo em países desenvolvidos, o BIM ainda não está disponível completamente em 3D. O sistema é especialmente importante para realizar virtualmente diversas soluções, como sistemas de refrigeração e aquecimento, em especial nos países do hemisfério Norte, cujos sistemas obrigatórios resultam em um conjunto grande demais para ser resolvido em obra.
Sustentabilidade se refere a bons critérios de decisão, que começam no planejamento e seguem para o projeto
Mas há críticas de que empresas diferentes usam programas diferentes, e isso dificulta a disseminação do BIM.
Por isso é preciso homogeneizar as linguagens. Inexoravelmente o mundo caminha para isso. É preciso sim treinar equipes e preparar-se, dar condições de treinamento a cada uma das equipes de projeto, para que elas alimentem o sistema com a linguagem adequada. A equipe pode ter seu sistema, mas os dados devem ser apresentados de maneira adequada. Posteriormente, ao passo da obra, a informação deve fluir para compor esse banco de dados. Isso está em um gral).de processo de elaboração, e está efetivamente chegando no Brasil.
Com relação a licitações, o que o senhor diz a respeito de contratações por projeto básico?
O ex-governador de São Paulo Alberto Goldman publicou um decreto que estabelece, para administração direta, indireta e fundacional do Estado, os critérios de aprovação e de contratação do projeto básico. O projeto básico define bastante bem o que é o produto, além da previsão de custo e de materiais. Segundo a lei de licitações 8.666 o projeto básico é um instrumento indispensável para instruir a licitação de obra e construção, que deve ser fornecido junto ao edital. Mas muitas vezes, é feito no improviso, com pressa, e depois estouram-se o prazo e o custo. O decreto vai garantir projetos básicos melhores, e as licitações tendem a ser melhores.
Mas um bom projeto básico já seria suficiente para a contratação?
Nós advogamos, pelo Sinaenco, que o ideal é contratar a obra com o projeto executivo. Para isso, a solução é o órgão público contratar o projeto com antecedência suficiente para haver tempo de realizar sondagens, topografia, e todo o material necessário para fazer um projeto executivo completo. Posteriormente, constrói-se com o projeto executivo em mãos, e as chances de estouro de verba e de prazo são muito pequenas.
Já se pode dizer que a contratação por projeto executivo é uma tendência?
Ainda não. Mas muitas pessoas falam sobre isso, até empresários de construção. A Apeop (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas) faz desse seu discurso oficial: é melhor a contratação de uma obra a partir do projeto executivo, que deixa de ser uma loteria. Na Câmara Brasileira da Indústria da Construção, está sendo discutida a modificação da lei 8.666, hoje no Senado, para que a obra seja contratada pelo projeto executivo. Seria dado um prazo de disposição transitória de dois anos depois da publicação da lei para que, nesse intervalo, se completem projetos executivos para as licitações de obras. Nesse intervalo, poderia-se licitar com projeto básico, o estabelecido pela lei atual. Esta mudança está prevista, a discussão já saiu da Câmara e foi para o Senado, depois voltará para a Câmara, e não imagino como a lei se finalizará.
O governador Geraldo Alckmin interrompeu o processo de licitação do Metrô de São Paulo por suspeita de acordo prévio dos consórcios. Existe uma maneira de evitar esse tipo de ação prejudicial ao Estado?
A grande solução, sempre, é o gestor público saber o que está comprando. Ele precisa de preparação técnica, com equipes ou consultores, para fazer o melhor uso do dinheiro público. Sobretudo, o gestor tem que ter os projetos. Para certas obras de alta complexidade de execução, que exigem equipamentos especiais e equipes treinadas, não há tanta gente preparada, e as empresas capacitadas são todas bem-vindas ao certame. O problema é o preço fugir do controle. O Metrô já soube, muito melhor que hoje, quanto custa um projeto de engenharia. Na Linha 6 houve proponente que ofereceu 42% de desconto no projeto básico em relação ao preço colocado, e foi contratado. É impossível fazer esse desconto. O Metrô chegou a contratar sondagem de subsolo por pregão e recebeu sondagem falsa. Perdeu-se meses até se perceber o erro e o Metrô solicitar nova sondagem.
Quando há irregularidades de fato, como proceder?
Minha resposta oficial é que irregularidades têm de ser saneadas, e a entidade, neste caso o Metrô, deve tomar as decisões corretas para sanear o processo. Se eventualmente houve algum problema, que ele seja saneado, mas, se possível, que não se perca todo um processo de pré-qualificação para que não se gaste mais um ano até retomar todas as etapas e atrasar a contratação de um serviço de obra de um equipamento absolutamente importante para a população. Porém, na realidade, a entidade deve saber o que está contratando.
Nossos metrôs, o de São Paulo e de outras capitais, poderiam ser mais competitivos e de construção mais barata?
Em geral, perfeitamente. O Metrô teve um papel extraordinário na Engenharia do Brasil. Existe, de verdade, uma Engenharia pré- Metrô e uma pós-Metrô de São Paulo, no fim dos anos 60 e começo dos 70, quando da primeira linha Norte-Sul. Nessa época, fazia-se consultoria estrangeira. O primeiro projeto foi feito pelo consórcio HMD (Ho-chtief-Montreal-Deconsult), duas empresas alemãs e uma brasileira (a Montreal deu origem à Promon). Não tínhamos a tecnologia, a primeira linha foi feita com participação alemã, mas a segunda foi toda brasileira. O Metrô organizou a engenharia brasileira e desenvolveu competência nacional. Tinha equipes fantásticas, e sempre soube os custos de planejamento e projeto. De uns anos para cá, foi perdendo quadros, e, na última gestão, se especializou em contratar por menor preço, promovendo alguns problemas sérios, lamentavelmente.
Temos que planejar, projetar e executar com qualidade, de maneira adequada, com racional idade e senso de realismo
As obras, por conta dos prazos apertados, parecem negligenciar cada vez mais a segurança. O senhor vê isso se agravando?
Pode ser se não houver projeto adequado. É preciso bom projeto e boa construção, que também é Engenharia. Perde-se a perspectiva de que a construção é técnica de engenharia na manipulação e execução, acreditando que construção é coisa de empreiteiro, especulador imobiliário, mas é Engenharia de alto nível e tem que ser bem feita. Além disso, o bom planejamento, com os critérios de gestão da qualidade de hoje, ensina a pensar antes. Outro ponto importante é o gerenciamento. O projeto é a definição do que precisa ser feito, a construção realiza e o gerenciamento é feito por empresas que acompanham, em nome do cliente, se aquele projeto está sendo feito de maneira adequada. Com a gestão da qualidade, se aprende que o bom é fazer bem na primeira vez.
O planejamento não vem sendo valorizado novamente?
Há três anos falamos de Copa do Mundo, e vemos que a mídia e a sociedade também falam disso. O Tribunal de Contas da União passou a exigir projeto executivo para aprovação de aeroporto, pois surgiram algumas irregularidades. Como uma reação temendo atrasos, uma medida provisória permite que obras para a Olimpíada e Copa do Mundo sejam feitas sem os controles. Essa medida é perigosa e não deveria ser aceita. A própria CGU (Controladoria Geral da União) sugere que o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) não financie estádios que não tenham projetos ou bons projetos, e ainda diz que o ideal é financiar quando houver projeto executivo.
Falando de toda essa perspectiva do País para o recebimento dos Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, além do atual crescimento da construção, o senhor tem mais alguma consideração que queira fazer?
O Brasil está sendo chamado para fazer parte do clube das nações mais desenvolvidas, mesmo com todas as nossas carências, desequilíbrios e desajustes. O Brasil tende a ser, até 2020, o quinto PIE do planeta. Eu chamo esse clube de Champions League, é a Primeira divisão. Precisamos preparar gente, precisamos de educação, melhorar a infraestrutura, o sistema de defesa nacional. Temos que planejar, projetar, executar com qualidade, de maneira adequada, com racionalidade e senso de realismo. É preciso dar um choque de realismo e qualidade na gestão pública e na gestão privada. O Brasil tem essa capacidade. E essas mudanças não são para 2020, mas para 2050. Falo de um Brasil modificado, e cada um precisa fazer sua parte. Esse é o desafio que temos pela frente.
Reportagem: Luciana Tamaki

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